O que é felicidade?

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ciência moderna pensa estar apta a responder, pelo menos parcialmente, a esta questão. Em laboratórios de todo o mundo, o estudo do cérebro entrou numa fase detalhada, que permite até chegar a conclusões sobre o grau de felicidade das pessoas.
E estes esforços levaram os investigadores a surpreendentes análises comparativas.
A mais preciosa cobaia destes estudos não é um ratinho de laboratório, mas um monge budista de origem francesa, Matthieu
Ricard, filho de um famoso filósofo e autor francês, recentemente falecido, Jean-François Revel.
A mente deste monge foi estudada na Universidade de Wisconsin e o resultado é arrebatador, podendo até mudar por completo a visão que temos do cérebro humano.
Os cientistas nunca encontraram ninguém tão “feliz” e afirmam, em medições quantificáveis, que Ricard é mesmo o homem “mais feliz na Terra”.
Esta conclusão tem a ver com a medição de certas ondas cerebrais e a actividade no córtex pré-frontal esquerdo, que está associada a pensamentos positivos.
Estudos científicos americanos mostram que estão particularmente desenvolvidas estas características cerebrais em monges budistas que praticam um determinado tipo de meditação durante a qual tentam pensar em todos os seres vivos com especial compaixão.
E, se existe um atleta de alta competição nesta modalidade, ele chama-se Matthieu Ricard.
Com 61 anos, este antigo biólogo molecular decidiu há 30 anos abandonar a sua vida de investigador e seguir a religião budista, tornando-se mais tarde assessor do Dalai Lama, o líder espiritual dos budistas tibetanos.
Antes de optar pelos Himalaias, o monge fizera um doutoramento em genética molecular e trabalhara ao lado do Prêmio Nobel da Medicina (em 1965), François Jacob.
Foi nessa altura que escolheu a religião, após ter lido textos budistas que o impressionaram.Na década de 70, Matthieu Ricard foi discípulo do mestre tibetano Rinpoche e tornou-se mesmo um dos maiores estudiosos dos textos tibetanos clássicos.
Mas a ciência veio de novo ter com ele. A história da vertente de investigação que levou as neurociências ao budismo começou há uma década, quando Dalai Lama, durante uma visita a uma escola médica americana, fez uma pergunta: pode a mente moldar a matéria? O problema levantado com esta questão aparentemente de resposta negativa partia do pressuposto de que a ciência tinha provado existirem alterações químicas no cérebro e impulsos eléctricos associados a pensamentos ou a emoções.
Mas seria possível conceber o inverso, ou seja, os pensamentos produzirem alterações químicas e produzir impulsos eléctricos?
Ao longo da última década, os cientistas têm estudado as alterações do estado mental de monges budistas.
A equipa de Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin, fez medições precisas de voluntários com mais de dez mil horas de meditação, sobretudo de Ricard, e percebeu que este estado contemplativo estimulava zonas do cérebro associadas às emoções, nomeadamente às
positivas, como aquelas que nos habituamos a ligar a estados de felicidade.
Igualmente importante era o facto de, entre estados de meditação, as ondas cerebrais permanecerem intensas, sugerindo que era possível treinar o cérebro e controlar as emoções, mudando a estrutura da própria mente.
Segundo Davidson, “os resultados mostram que a meditação pode mudar as funções cerebrais de forma durável”.
Isto é basicamente o que fazem os monges budistas, afirma a ciência, após uma década de estudos pormenorizados, com o uso de equipamentos sofisticados que permitem medir as ondas cerebrais e as zonas do cérebro em funcionamento.
Outra equipa fez experiências com Ricard e 150 voluntários, onde mostrou que o monge budista francês conseguiu um equilíbrio entre emoções positivas e negativas jamais visto num ser humano, com desvio para as positivas (entusiasmo, alegria) que anulava as negativas (medo, ansiedade).
A conclusão deste estudo de Adam Engle é semelhante: o cérebro não é estável, ele pode mudar.
São enormes as implicações destes estudos. As investigações sobre os fenômenos budistas começaram por estar rodeadas de controvérsia, mas a melhoria dos equipamentos tornou consensuais os resultados. Também se sabe que a meditação tibetana é uma prática, tal como o desporto no
Ocidente. E a comparação é aceite.
Tudo indica que o cérebro pode ser treinado na idade adulta e até mudar a sua organização interna, algo que experiências com músicos também tinham demonstrado.
A linha de investigação sugerida pelas experiências com o homem mais feliz do mundo não tem implicações apenas para a questão da felicidade e para a melhoria de vida de cada indivíduo, mas para coisas mais prosaicas, como o controlo do stress, a melhoria da atenção.
A história mostra ainda que a contemplação vale todos os bens materiais e que as contas bancárias não dão felicidade. O homem mais feliz do mundo não tem riqueza pessoal e vive num mosteiro nos Himalaias.
A compaixão, o amor, o deslumbramento, a piedade, a clemência, a devoção, enfim, todos os sentimentos que nos habituamos a encarar como positivos resultam, afinal, de uma capacidade interior que podemos controlar.
E nesta curiosa fusão entre religião e ciência falta ainda o senso incomum dos poetas, de Camões, por exemplo, que num soneto teve um inspirado momento eureca da poesia: “Tão enlevado sinto o pensamento que me faz ver na Terra o Paraíso”. O monge não diria de outra maneira. “

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